Filhos, Carreira e Responsabilidade Social em “O Começo da Vida” Por Adriana Preto Rutzen*

Há alguns dias atrás, assisti ao filme “O Começo da Vida”. Assisti a cenas que me emocionaram profundamente e me fizeram retomar reflexões que venho tecendo desde que comecei a atender mamães como Psicoterapeuta e Coach e que, certamente, se intensificaram e tornaram-se parte de minha rotina diária quando também me tornei mãe.

O filme retrata muito bem como a nossa sociedade tem lidado com o começo da vida, período fundamental para a estruturação e desenvolvimento físico, mental e emocional dos seres humanos que chegam a este mundo. E, infelizmente, a realidade não é uma visão acalentadora. É muito triste ver tantas crianças privadas de cuidados e de suas necessidades mais básicas, como alimentação, abrigo, roupas, educação e acesso a saúde. Que tipo de pessoas estaremos criando para o mundo, privadas, desde o começo de sua existência, daquilo que é necessário para sua sobrevivência?

Contudo, independentemente da classe social em que uma criança nasce, outro ingrediente essencial, que jamais pode faltar, é o AMOR. Nossos pais são nossos primeiros modelos e professores, nossas primeiras janelas para o mundo. Eles nos ajudam a construir nossas crenças a respeito de nós mesmos e do mundo a nossa volta. A entender como tudo funciona. A compreender, através das experiências, da rotina diária, pouco a pouco, o que é certo ou errado, quais são os valores centrais de sua família, a cultura de sua comunidade, o que é moral, ética, enfim, o que é e como é ser humano. Isto é uma grande responsabilidade.

Crianças são como esponjinhas, que aprendem através do exemplo de quem está perto delas, convivendo com elas. Nossos pais são nossos primeiros Deuses, nossas primeiras figuras de autoridade. Então, eu me pergunto: por quem e como têm sido criadas as crianças de nossa sociedade? Os nossos futuros engenheiros, professores da educação infantil ao ensino universitário, profissionais da saúde, políticos, empresários, cidadãos e cidadãs. Quando vamos olhar com a devida responsabilidade para os anos iniciais da vida? Quando vamos questionar a ordem vigente e nos perguntar sincera e abertamente: Será que é por aí? Será que esta é a única forma? Será que esta é a melhor forma? Como poderia ser melhor? E qual é a minha parte nisto? Por onde posso começar a minha mudança? A minha melhoria?

Certamente, as pessoas em nossa organização social e econômica atual precisam trabalhar para ganhar dinheiro e sustentar a si mesmas e a seus dependentes. Esta realidade ninguém contesta. O que parece ser continuamente negado é a necessidade do ser humano de ser cuidado e amado no começo de sua vida, para que também possa cuidar, amar, produzir e contribuir no resto de sua existência. Sim! O amor, o afeto, a presença, a disponibilidade, a qualidade do vínculo, fazem toda a diferença! O bebê humano é uma das espécies que nasce mais imatura para sobreviver no mundo. A maioria das espécies de animais já nasce conseguindo, em poucos minutos, ficar em pé e correr para fugir de predadores. O bebê humano demora 3 meses apenas para conseguir firmar sua cabeça. Por isto, hoje se fala em exterogestação, isto é, o quarto trimestre gestacional fora do útero. Esta imaturidade do sistema nervoso do bebê humano acarreta duas consequências principais: se por um lado este bebê requer uma quantidade enorme de cuidados, por outro ele também apresenta uma capacidade incrível de aprendizagem em grande velocidade.

No que diz respeito aos cuidados, as necessidades do bebê humano são tantas que chega a ser desumano exigir que a mãe dê conta de tudo sozinha, sem apoio, sem suporte, sem ajuda, sem parceria. Todos perdem quando isto acontece. Uma mãe sobrecarregada não consegue estabelecer a melhor qualidade de relacionamento possível com seu bebê. Pasmem: mães também precisam comer, dormir, tomar banho…Todo cuidador também precisa de cuidados! E aqui entram alguns pontos fundamentais de reflexão como: o importante papel dos pais no exercício destes cuidados com o bebê, em dividir as tarefas e responsabilidades com as mães, em também se fazerem presentes e participarem da educação. Mas como? Em uma sociedade que ensina apenas as mulheres a serem cuidadoras e afetivas, a treinarem com suas bonecas enquanto os meninos brincam somente com carrinhos e espadas? Como? Em uma sociedade com licença paternidade de apenas 5 dias, recentemente prorrogada para apenas 20 em algumas empresas?

E como? Em uma sociedade organizada em pequenos núcleos familiares isolados em grandes centros urbanos? Pai, mãe e filhos isolados entre quatro paredes, há quilômetros de distância de seus demais familiares e amigos. O filme trás uma canção africana muito sábia que diz: “It takes a village to raise a child”, ou é preciso de uma comunidade para se criar uma criança e, de fato, isto é verdade! Criar um filho rende trabalho para todos que quiserem ajudar! Não é de se espantar o alto índice de divórcios em famílias com filhos pequenos. O ser humano nasceu para viver em comunidade. Precisa da ajuda dos outros. Precisa do seu bando.

E o que dizer quanto a velocidade de aprendizagem… são 700 novas conexões neurais formadas a cada segundo, atenção total a tudo a sua volta, absorção contínua de estímulos, de exemplos, necessidade de compreender e dar sentido ao que vivencia através do discurso verbal e não-verbal de sua mãe ou figura materna. Necessidade de estabelecer um vínculo de apego seguro com uma ou duas figuras principais, de referência, que lhe preste cuidados com afeto. Que vital importância tem uma mãe e um pai na vida de um filho! E como podem honrar tal importância sem o apoio da comunidade? Da sociedade? Como uma mãe e um pai que se veem obrigados a ver seu filho duas horas por dia (devido a sua jornada de trabalho) exercem a plenitude de seu papel de pais? As crianças precisam de cuidados e afeto. As crianças precisam de seus pais. Os pais precisam de apoio para dar a seus filhos o que eles precisam. Estes fatos também deveriam ser incontestáveis!

É claro que não existe uma receita de bolo, uma única forma de organização que funcione para todas as famílias. Mas penso que é nosso dever refletir e buscar a melhor forma para cada um de nós. E não simplesmente “ir com a boiada”, justificar-se e enganar-se com pensamentos e falas de “é assim e pronto”, “sempre foi assim”, “comigo também foi assim e eu me criei, deu tudo certo”, etc. Penso que ainda temos um longo caminho de reorganização social a percorrer rumo a construção de uma sociedade mais humana. Contudo, já é hora de cada um de nós assumirmos nossa parte de forma consciente e ativa nesta construção.

Como mãe, minha escolha pessoal foi apertar o freio da carreira e diminuir o ritmo de trabalho por um tempo, para conseguir estar mais presente nos primeiros anos na vida do meu filho. Mas sei que sou uma privilegiada por ter o suporte necessário que me permite esta escolha.

Tenho recebido muitas mulheres em sofrimento pela separação prematura de seus bebês. Tenho percebido movimentos de reorganização das escolhas de carreira para poder estar com os filhos. Mulheres têm buscado muito mais o empreendedorismo para terem horários mais flexíveis e poderem se dividir melhor entre carreira e filhos. Homens não tendem a sofrer tanto com esta separação por não terem uma relação visceral com seus filhos, por não estarem fusionados com eles como as mães encontram-se nos dois primeiros anos de vida do bebê. Mas os pais também sofrem com a separação prolongada de seus filhos, o estabelecimento do vínculo entre eles sofre e, mãe e filho também sofrem com a ausência do pai. Todos ganham com a participação e envolvimento do pai. Então, também venho percebendo homens buscando rearranjos profissionais para estarem mais com suas famílias.

E daí mais uma vez me pergunto: por que a sociedade (em sua grande maioria) ainda se organiza em torno de um modelo de trabalho concebido no tempo da Revolução Industrial? Um modelo que trata seres humanos como máquinas. Por mais que ame seu trabalho e sinta uma profunda conexão com ele, como manter alguém que escolheu ter filhos motivado e, mais que isto, engajado tendo uma jornada de trabalho que lhe permite conviver com seus filhos apenas duas horas por dia e nos finais de semana? Qual o sentido de trabalhar para ganhar mais dinheiro, para então poder bancar mais “qualidade de vida”, se não sobrar tempo para usufruir do que este dinheiro pode proporcionar? Uma casa maravilhosa na qual apenas se dorme, toma café da manhã e passa os finais de semana? Uma família linda que também convive apenas nestes momentos? O que é qualidade de vida para cada um mesmo? O que faz sentido para cada um mesmo?

As respostas podem ser muito diferentes. Existem pessoas que são worklovers, que amam os seus trabalhos e sentem que recarregam suas energias através deles. Eu faço parte deste time! Considero meu trabalho uma parte muito importante da minha missão nesta vida. Mas criar meu filho é parte fundamental de minha missão também. E mesmo quem não tem filhos e também considera-se worklover, mesmo estas pessoas também precisam cuidar de sua saúde física, mental e emocional. Separar um tempo a estes cuidados. Estabelecer relacionamentos íntimos satisfatórios. Relacionar-se com sua família e amigos de fora do trabalho. Ter momentos de descanso e ócio criativo.

De minha parte, o que tenho feito para auxiliar e apoiar outras mulheres, homens, mães, pais, casais e famílias no desafio de conciliar filhos e carreira, é criar e oferecer serviços que os ajudem a lidar melhor e encontrar formas de superar estas dificuldades. Tenho prestado este apoio através de processos de coaching de carreira, workshops, grupos de apoio e psicoterapia. Minha atuação profissional, somada as mudanças que fiz em minha própria carreira a partir da maternidade, tem sido a minha maneira de buscar cumprir da melhor forma possível (conforme meu entendimento e valores pessoais), meu papel de mãe e cidadã.

Deixo aqui um convite para cada pai, mãe, profissional, funcionário e empregador, refletir a respeito de sua responsabilidade social na criação no presente, das crianças que serão os futuros pais, profissionais, funcionários e empregadores, cidadãos e cidadãs de nossa sociedade. Como você pode melhorar a sua parte nesta construção? Como você pode contribuir mais e melhor para o futuro da humanidade?

Não há um único caminho ou resposta que sirva a todos. Precisa partir de você, a construção do papel que você quer ocupar neste processo. Pense na colheita que você quer fazer e escolha bem quais sementes deve plantar. Todos nós, conscientes ou não, querendo ou não, temos nossa responsabilidade nisto.

*Psicóloga, Master Coach e Consultora em Desenvolvimento Humano. Fundadora da Evolução Essencial Desenvolvimento Humano.